Apesar de inúmeros especialistas e
investidores demonstrarem crescente ceticismo em relação ao futuro dos shopping
centers, percebeu-se cauteloso otimismo entre os cerca de 37 mil participantes
da RECon, mais
importante convenção do setor, que aconteceu no final de maio, em Las Vegas,
Estados Unidos.
Em parte, isso se explica pelos números recentes,
que podem não ser excelentes, mas não são exatamente ruins. Em 2016, as vendas nos
shoppings americanos cresceram 2% em comparação com o ano anterior e em março
passado a taxa de vacância, medida pela quantidade de lojas vazias nos
shoppings em operação, ficou em 7,3%. Os dados são do International Council of
Shopping Centers (ICSC).
A
maior fonte de confiança dessa indústria no seu futuro, no entanto, vem do
consenso de que os shopping centers não estão morrendo e sim transformando-se
em algo mais abrangente do que simplesmente um centro de compras. Diagnosticado
o problema, é hora de arregaçar as mangas e implantar as soluções, que em
determinados casos podem ser dolorosas.
O
primeiro e mais visível resultado dessa transição é a mudança na composição do
tenant mix, turbinada por uma verdadeira revolução em curso no varejo americano.
Estima-se que até o final do ano 8.640 lojas de tijolo e cimento vão fechar as
portas nos Estados Unidos (não só em shoppings). Boa parte delas são filiais de
lojas de departamento ou marcas de preço médio relacionadas com o mundo da moda.
O impressionante volume de fechamento de lojas nos Estados Unidos e o
simultâneo crescimento das vendas online provocam, em muitas pessoas, a
sensação de que um movimento é causado pelo outro. Mas, neste nosso mundo
complexo, nada é tão simples. A conta desse ‘freio de arrumação’ precisa ser também
dividida entre os consumidores, que cultivam hábitos distintos, e o próprio
varejo, que tem demorado a adaptar-se aos novos tempos.
Quer
um exemplo? Em 2006, de acordo com o ICSC, 76,3% dos gastos dos consumidores
estavam concentrados em itens vendidos pelo varejo tradicional, como vestuário,
calçados, artigos do lar e itens de beleza. Dez anos depois, esse índice havia
caído para 61,2% e os gastos relacionados com serviços, lazer, alimentação, entre
outros não tradicionais, alcançava quase 40% das despesas das famílias
americanas.
Não foi
à toa que o setor de alimentação teve tanto destaque na RECon deste ano. A JLL,
multinacional especializada em Real Estate, estima que até 2025 mais de 20% da
área dos shopping centers será ocupada por conceitos de Food & Beverage (hoje nos Estados Unidos esse índice é de 9%). Dentre esses conceitos, a
tendência mais badalada atende pelo nome de Food Hall, espaço amplo ocupado por pequenas e diferentes operações de comida e bebida, que podem pertencer
todas ao mesmo varejista (caso do Eataly, por exemplo) ou serem geridas cada
uma por um diferente lojista (como acontece no Food Hall do Shopping Cidade
Jardim, em São Paulo).
Mas
não só de alimentação vive o mix dos novos shoppings. Entretenimento, saúde,
bem-estar, serviços e moda acessível também estão em alta. O importante é contar
com lojistas capazes de aliar bons produtos a experiências relevantes. Estudo recente
da GlobalData mostrou que 71% dos americanos acham maçante a experiência de
comprar em lojas e 70% avaliam as lojas como pouco inspiradoras. O e-commerce,
por sua vez, é considerado uma opção conveniente, barata e com maior variedade.
Em resumo, na hora de comprar produtos, a internet leva vantagem. A loja física
seria um local para viver experiências e descobertas. O problema é que, ao não
conseguir atender estas expectativas, as lojas de tijolo e cimento entregam
de mão beijada o cliente aos concorrentes virtuais. Em um mundo ideal, ambos os
canais têm seu espaço e podem ser utilizados de maneira integrada pelos
consumidores.
Falando
em e-commerce, este canal tem crescido em ritmo vigoroso e já responde por
cerca de 9,5% das vendas totais do varejo americano (excetuando-se veículos e
combustíveis). Para efeito de comparação, vale lembrar que há 7 anos, esse
índice era de 4,2%. A Accenture projeta que em 10 anos, nada menos do que 40%
das transações varejistas terão migrado para o online. Se analisarmos apenas as
vendas das categorias ‘GAFO’ (artigos diversos, roupas e acessórios, móveis e
artigos do lar, eletrônicos, artigos esportivos, livros e música e itens de
escritório), que predominam no mix dos shoppings, a participação do varejo
virtual ultrapassa 28%. Ou seja, a competição entre shoppings e e-commerce já é
realidade, o que reforça a importância, para os shopping centers, de contar com
lojas orientadas para a experiência.
Fieis
ao lema ‘se não pode competir com o inimigo, una-se a ele’, os shoppings nos
Estados Unidos preparam-se para tirar proveito de uma estratégia importante
para o e-commerce: o ‘Buy Online, Pick-up In Store’ (em português algo como ‘compre
pela internet, busque na loja’). Estudo do ICSC mostrou que 61% dos clientes
que compraram online e foram buscar seus produtos em uma loja física acabaram levando
itens adicionais. Entre os millennials essa taxa sobe para 75%. A ideia é
aproveitar que o cliente foi ao mall para buscar o que comprou online e aguçar
o seu desejo pelas tentações das demais lojas.
Proporcionar
experiências para os consumidores é tarefa das lojas, mas também é a principal
estratégia de marketing dos shoppings americanos, por meio de eventos, muitas
vezes em parceria com os próprios lojistas. Outro objetivo é investir na
identificação individualizada dos clientes do shopping e compartilhar essas
informações com os lojistas para que eles possam comunicar diretamente suas ofertas.
E o
Brasil, como fica?
Apesar
da realidade americana ser muito distinta da brasileira, há semelhanças a serem
registradas. Aqui também o shopping é entendido como um local onde as pessoas fazem
mais do que comprar: vivem descobertas e experiências. Isso deve impor
importantes mudanças no tenant mix, com ênfase na alimentação, serviços,
entretenimento e moda acessível, porém com operações adaptadas ao gosto e ao
bolso do consumidor nacional.
A
principal diferença entre os dois mercados está no porte e experiência dos
lojistas. Enquanto nos Estados Unidos o percentual de lojas independentes é
muito baixo, aqui elas podem representar em determinados mercados mais da
metade do mix de um empreendimento. Isso significa que, além dos investimentos
para atrair público e proporcionar experiências, o shopping brasileiro precisa
ainda preocupar-se em estimular visitação às lojas e conversão, o que eleva
bastante a complexidade do nosso desafio.
Uma
coisa, no entanto, fica clara: tanto lá quanto cá, o shopping não vai morrer.
Mas vai ficar um bocado diferente.
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